João Pereira Coutinho > O amor é uma construção burguesa? Voltar
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Só posso imaginar que o colunista não viu o filme (traindo-se ao falar de "cachorros", no plural, quando havia apenas um...). E também imagino que não entendeu o texto de Zizek. Os sinais de que a relação "amorosa" é pautada por distanciamentos de classe expressos numa hierarquia são evidentes no longa. Pode existir amor genuÃno sem igualdade entre as partes?
O Zizek exala mofo. Ponto. O colunista oxigena o pensamento com suas análises. E seu sarcasmo.
A cada coluna lida, fica difÃcil escolher qual a melhor. Assim, fico com todas.
O amor pode não ser uma construção burguesa, mas, sua forma de representa-lo, com certeza que sim. O articulista ficou tão preocupado com a "leitura ideológica" do filósofo que "esqueceu" que o buraco era mais embaixo. A discussão era sobre um filme, sobre uma representação do mundo, e não sobre o mundo em si. O filósofo pode não ser o melhor crÃtico de cinema, mas quem leu seu texto obteve vários elementos para interpretar o filme, e não uma "fôrma" como quer o "ansioso" articulista.
Se se entender como ideologia a forma de apropriação do mundo, e então a sua própria produção de sentido, afinal, não é isso que está sempre em jogo para o humana? o caráter do termo toma outra dimensão, que não somente a desgastada pelo uso, relacionada a posições polÃticas recortadas. Podem ser bem mais sutis, quase imperceptÃveis. Daà os objetos em questão podem ser visto sob vários espectros, da filosofia à psicanálise, nas substâncias da cultura. E como é tão difÃcil interpretar culturas.
Sabe o que faltou a Cleo? Educação formal. Se ela tivesse frequentado algum curso profissionalizante, ela não seria empregada doméstica, seria professora, enfermeira, ou algo semelhante. Quando todos tiverem acesso à educação formal, vai desaparecer o serviço doméstico, cada um vai limpar sua própria casa. O capitalismo só será inclusivo por meio da educação. Não é questão de ideologia, é administrar bem os recursos.
O doutor pela universidade católica portuguesa (quanto brilho neste tÃtulo!) transforma Slavoj Zizek num idiota para poder tentar mostrar a inteligência e a cultura filosófica que lhe faltam. Mas quem dá importância a esta dramática falta de modéstia intelectual. Alguém imagina Zizek arrancando os cabelos de raiva e frustração pelo que o doutor pela universidade católica portuguesa pensa e escreve? Ou Marx incomodado no seu túmulo por aquilo que esta sumidade não conseguiu entender?
Superficial a crÃtica ao filósofo, cujas conclusões parecem ao menos plausÃveis, enquanto as do articulista traduzem mera birra ideológica, crÃtica pela crÃtica.
Roma é um pastiche de cliches. Extemporânio.
Finalizo... Claro, quem não quiser ver estas questões no filme, ou achar que são irrelevantes, está no seu direito. Mas elas estão lá. Se é verdade que, como diz Coutinho, Roma é um "filme que abandona os clichês ideológicos das 'relações de classe'”, não abandona, contudo a disposição de traçar um retrato menos estereotipado das mesnas questões.
Continuo.... Mas,isto não significa que não haja uma crÃtica possÃvel, tudo depende de quem vê. CrÃtica "realista" não panfletária, porque tudo parece natural, tanto a ordem que o patrão dá à empregada para limpar a sujeira do cão, quanto a disposição sincera da patroa de acompanhá-la no pré-natal. é natural que todos os pobres do filme sejam visivelmente indÃgenas, enquanto os patrões, médicos etc sejam brancos. Há ali, como Nabuco previu aqui, o prolongamento "suave" da velha situação colonial
Joaquim Nabuco escreveu: "A escravidão permanecerá por muito tempo como a caracterÃstica nacional do Brasil". Profetizava o quanto os negros, mesmo libertos, mesmo em outro sistema polÃtico, ainda continuariam ocupando o mesmo papel social. Nabuco particularmente entendia que as relações servis não impedem que surjam afeições verdadeiras entre as partes. "Roma" fala de algo parecido, das intrincadas relações afetivas que ocorrem nas famÃlias, entre os amantes e nas relações servis.
Eis o problema de submeter sempre o mundo a um modelo teórico e moral pré-concebido que não guarde nenhuma relação com a realidade: Do ponto de vista estético só tem valor aquilo que contribui com a causa, do ponto de vista da observação dos indivÃduos, só é virtuoso e inteligente aquele que é "consciente" sobre aquilo que a ideologia preconiza e, por fim, só é um bom teórico aquele que consegue interpretar bem o "texto sagrado" e, malabaristicamente, encontrar correlações com os fatos.
Toda a ideologia, seja de direita, de esquerda ou seja lá da onde, é profundamente nociva. Por que? Porque subtrai do indivÃduo seu senso crÃtico. E pior, o coloca a mercê dos manipuladores de consciência. Todo o adepto de ideologia é cheio de convicções mas pobre em argumentos, porque não tem vivências daquilo que prega, simplesmente repete o que ouviu. E pior ainda, tem pela doutrina apego emocional, o que o torna impermeável.
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