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  1. Alexandre Marcos Pereira

    Implacável, no entanto, é outra coisa. Implacável é o adjetivo que se cola melhor à chuva de janeiro, ao fiscal da prefeitura, ao despertador das seis da manhã. Que um código seja implacável sugere que há nele qualquer coisa de maquinaria, um relógio suíço girando indiferente às desculpas, às histórias trágicas, ao mas, doutor, não foi bem assim. E talvez seja essa, no fundo, a fantasia secreta de todo legislador: construir uma máquina lógica que não trema diante do choro e dos abraços.

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  2. Alexandre Marcos Pereira

    Em 1916, o novo devia soar como um raio de modernidade, um país recém-saído da Monarquia tentando se reconhecer no espelho da República. Novo era um adjetivo cheio de promessas: domesticar conflitos seculares, organizar heranças, disciplinar casamentos, definir quem era filho legítimo, quem era apenas um silêncio incômodo nas árvores genealógicas. Um código para dobrar, por escrito, a indisciplina das paixões humanas. Implacável, no entanto, é outra coisa.

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  3. Alexandre Marcos Pereira

    Era um domingo morno, desses que o país parece suspenso entre o horário de verão que já não existe e a vontade de não fazer nada que continua firme. A coluna de Merval, ao lado da xícara, falava dos vícios e mazelas do direito civil brasileiro, especialmente contra as mulheres. E lá estava ele, o velho Cóvis, reaparecendo no meio da prosa como uma fantasma de toga engomada, atravessando o tempo com um Código Civil debaixo do braço. Sempre me intrigou essa ideia de implacável de novo Código Civil

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  4. Alexandre Marcos Pereira

    Para sermos fiéis à ortografia e à mitologia dos nossos manuais de direito, Clóvis Beviláqua, com todos os acentos devidos, é aquele mesmo nome que assombra provas de concursos, discursos solenes em faculdades e dedicatórias amareladas em edições de capa dura. Mas, naquela manhã de domingo, na mencionada coluna do Merval, do Globo, jornal que também assino, o nome não caiu sobre mim como citação de aula: veio com um cheiro de café passando pela casa, com os barulhos de notificação do iPad.

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  5. José Roberto Mathias

    Não se pode esquecer de Júlia Lopes de Almeida, uma das fundadoras da ABL. Por ser mulher, não teve seu nome incluído entre os 40 fundadores.Contemporânea de Machado de Assis, escreveu "A Falência"(1891)considerado o primeiro romance realista escrito por uma mulher.Então, o reconhecimento feminino é "tardio" e carrega, ainda, uma certa dose de "hipocrisia".

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  6. DEBIE DOS SANTOS BASTOS

    Parabéns à escritora Ana Maria Gonçalves, vai honrar a casa do maior de todos, Machado de Assis, em minha opinião, por óbvio. Pena que terá de conviver com Merval Pereira.

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    1. Marcos Benassi

      Outra boa gargalhada, só posso agradecer pelo deleite. Foi a Dona Ana a responsável pelo delicioso "pretuguês" que meu xará esculhamba? Que bom, conheço alguma coisa dessa senhora, e justo algo que achei de um sabor absolutamente impecável. Viva a subversão e a irreverência ao cânone! E ao Danone.

    2. DEBIE DOS SANTOS BASTOS

      Fidelis, o misógino, fique no interior com seus despachos! Não enche o saco, tchuchuca.

    3. MARCOS FIDELIS DE CAMPOS CAMPOS

      Ela não receberá também os parabéns por criar uma nova língua durante o seu discurso de posse. O *PRETUGUÊS*. O grande Machado de Assis deve estar se revirando no túmulo até agora.

  7. Alexandre Marcos Pereira

    Clóvis foi buscar em Gaio e no Digesto o contra-ataque, lembrando a velha fórmula romana segundo a qual, na palavra homo cabiam tanto o masculino quanto o feminino: hominis apellatiione tam foeminam quam mascullum contineri non dubitator. O machismo falou mais alto do que a inteligência e a erudição do grande Clóvis Bevilaqua e, ainda, assim a candidatura da bela Amélia, uma mulher de verdade, foi indeferida.

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  8. Alexandre Marcos Pereira

    Como os estatutos falavam em brasileiros como condição para condição para integrar a confraria, os imortais de então olharam para o vocábulo como quem encara um espelho antigo: viram apenas a si mesmos. Brasileiros, decidiram, era masculino demais para abrigar saias, chapéus de pluma, corpos de mulher. A gramática, que sempre serviu de guarda-chuva para preconceito mal disfarçados, foi convocada como álibi. Clóvis, o jurista acostumado aos labirintos da lei, reagiu como homem de códigos.

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    1. Marcos Benassi

      Hahahahah, outra deliciosa gargalhada!

  9. Alexandre Marcos Pereira

    A brilhante Amélia Bevilaqua não entrou pela porta principal da Academia, mas entrou por uma carta que ela escrevera. Uma carta medida, correta, cheia de sobriedade da advogada, da jornalista, da escritora que já publicara romances, ensaios, críticas, e que não precisava de favores: apenas de leitura e de voto. Mandou sua candidatura como quem envia um livro ao prelo: com esperança, mas sem ilusão. A esperança vinha de si mesma; a ilusão, ela sabia, morava nos estatutos.

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  10. Marcos Benassi

    Uia, RuyCastro é também culturas historiográfica Brazuca! Aliás, não sei porque meu espanto, cê vive fazendo isso - bom, atinei que é regularmente com música ou outras questões "culturais". É espantoso que essas ruas como Clóvis Beviláqua, Júlio de Mesquita e etc. tenham, na verdade, sido gente algum dia, e com suas idiossincrasias. Inda bem, pra Dona Amélia, que ele agia melhor do que legislava; forte nome esse, aliás, que o Mário Lago eternizou, sem botar sua amada no meio do galinheiro.

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    1. Marcos Benassi

      Hahahahah, trambiqueiro colega, deu-me uma gorda e feliz gargalhada numa varanda Londrinense - não londrina, infelizmente: aceito que você nunca tenha andado "maquinado", portando o fruto da indústria da morte. "Desarmado", não me convences: com essa cabeça e essa língua bífida, conquanto delicadíssima, quedê a vulnerabilidade dos coitados? Hahahahah!

    2. Alexandre Marcos Pereira

      Caríssimo, Benassi, aproveita a deixa do seu post, e em continuação aos seus gentis comentários, lembro que Drummond também disse “Até os poetas se armam, e um poeta desarmado é, mesmo, um ser à mercê de inspirações fáceis, dócil às modas e compromissos”. Por isso, talvez, eu não me arrogo o título de poeta, pois nem na minha profissão, apesar do conselho de colegas, nunca andei armado; se fosse poeta, seria uma vítima fácil da armadilha citada por Drummond.

  11. MARCELO PEREIRA DO NASCIMENTO

    A ABL não parece muito parâmetro para nada.... Até um Ivo Pitanguy foi imortal....

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    1. Marcos Benassi

      Ah, Marcelo, é porque não havia "academia brasileira do remendo". Fosse hoje, com a popularidade das (des)harmonizações, criavam uma e ele era a cadeira um! Hahahahah!

  12. Celso Augusto Coccaro Filho

    O projeto Bevilácqua foi elaborado no final do sec XIX e entrou em vigor no início do sec XX. Refletia a sociedade de então, assim como a Lei das XII Tábuas era baseada na sociedade romana de quinhentos anos antes de Cristo. O Código sofreu várias alterações no curso da sua vigência, até ser revogado. Cansa esta avaliação bonitinha do passado pelos critérios do presente. Em vez de celebrar a evolução social, a minimiza. Não critico o Rui Castro, mas as palavras do terceiro por eles referidas.

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  13. neli faria

    O Merval Pereira está equivocado, data vênia, ao julgar o passado,o Código de 1916:Beviláqua, com o olhar do Presente.A Mulher era relativamente incapaz. O homem casado,a mulher idem, mas tivesse filho fora do casamento, a criança não tinha nome deles no registro civil. Quando estudei Direito, o casamento da deflorada com o estuprador extinguia a punibilidade.Foi modificado em 2005!É absurdo? É! O passado deve ser estudado, analisado, no presente, para que não se repita no futuro.

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  14. neli faria

    Eu achava que era parda ou mais autóctone do que outra coisa, fiz a gênese e me decepcionei com o meu passado.Três por cento da África, quatro da América, doze do Oriente Médio, o resto da Europa. Que ódio.ABL! Certa época li uma poesia para a defunta mãe, então viva, epensou, pensou e pontificou: por que você não escreve um livro bem grosso para entrar na Academia Brasileira de Letras? Só escrevia quando estava apaixonada. Pouco me apaixonei na vida e a ABL perdeu uma grande Acadêmica!

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  15. Vito Algirdas Sukys

    Um Defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves, traz um efeito de liberdade. Ana, vestida com a farda-paletó da Academia, fez, simbolicamente, os membros dançarem ao som de um alegre carimbó. A literatura brasileira fica culturalmente fusionada; a presença muito amiga da cultura afro-indígena passa a integrar o DNA da nossa cultura.

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    1. Marcos Benassi

      Ôôô, Vito, sabe que cê hoje tá poeta como nosso colega Alexandre Marcos? Vou até ver se ele comentou, ceis fazem dupla erudita imbatível!

  16. ANTONIO F CARVALHO

    Mas o Código Civil foi e é votado pelo Parlamento e não está a gosto de seu idealizador. De outro lado, Machado de Assis fundador da Academia Brasileira de Letras e seu primeiro presidente era mestiço, o que hoje se chamaria de pardo, descendente portanto de negro. Essa apoteose por raça não cola muito num país onde há 40 mestiçagens, de "branco sarará" a "pelé" como diz o historiador Laurentino Gomes. É que nós estamos "como os nossos pais" como diria o compositor Belchior.

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  17. Murilo Belezia

    Qual é a qualidade literária intrínseca da nova imortal? Isso é o que importa, mas o cronista fica devendo ao leitor., ocupado demais em espinafrar Clóvis Bevilacqua...

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  18. Alexandre Marcos Pereira

    O ingresso de Ana Maria Gonçalves na Academia Brasileira de Letras pousa sobre a tarde como um pássaro que finalmente encontra o galho que lhe pertence desde sempre. Há felicidades que chegam com atraso, e, no entanto, quando chegam, parecem devolver ao tempo o ritmo certo, como se o ponteiro maior do relógio resolvesse, enfim, alinhar-se ao menor. A cena se desenha na imaginação: o Petit Trianon respirando fundo, os lustres atentos, o fardão-verde ouro menos pomposo e mais humilde, mas legítimo

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    1. Marcos Benassi

      Cabra, quanta risada já dei por aqui, daquelas gordas e francas... Óia, é o seguinte,me pode botar o alto muitíssimo discriminativo sarrafo que quiser à sua auto-consideração, não me oponho; isso não muda, não obstante, aquilo que sai desse seus dedos e dispositivo. É tudo muito poético, ainda que você não seja um poeta, vá lá - quem vai negar à parideira o direito de qualificar a si e a seus rebentos? Eu, não serei, o que não me impede de me divertir à grande. Hahahahah!

    2. Alexandre Marcos Pereira

      Benassi, caríssimo, segundo Drummond “poesia é negócio de grande responsabilidade e não considero honesto rotular-se de poeta quem apenas verseje por dor-de-cotovelo, falta de dinheiro ou momentânea tomada de contato com as forças líricas do mundo, sem se entregar aos trabalhos cotidianos e secretos da técnica, da leitura, da contemplação e mesmo da ação” . Por isso não me considero um poeta. Quando me aposentar, talvez leve a sério esse ofício. Um grande abraço, querido.

    3. Marcos Benassi

      Ah, compadre, lembrei de você e sua delicadeza poética ali em cima, ao ler nosso colega Vito, hoje também tocado pela musa.

  19. CARLOS ALEXANDRE PERGER

    Nossos votos de parabéns à escritora Ana Maria Gonçalves e ao Ruy por dedicar esse espaço ao reconhecimento das Mulheres na Academia.

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  20. Antonio Carlos Orselli

    A julgar pelo retrato, a escritora, além de gostar de aves, era bem bonita.

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  21. paul constantinides

    Havia aí alguma metáfora, ou tratava-se de uma armadilha? Os animais viviam realmente soltos pela casa, como no livro Minha Família e Outros Animais, de Gerald Durrell

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  22. paul constantinides

    Havia aí alguma metáfora, ou tratava-se de uma armadilha? Os animais viviam realmente soltos pela casa, como no livro Minha Família e Outros Animais (My Family and Other Animals), de Gerald Durrell (1956).

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  23. paulo wesley dornellas

    A ABL é de uma inútil idade total. Se até o José Sarney é um dos imortais, fica claro que aquilo ali não passa de um circo. Se fosse sério, o que deveria importar seria tão somente a qualidade da obra literária dos membros, e não sua eventual fama, posição social ou política, gênero, e etc. Daqui a pouco haverá cotas para minorias se tornarem imortais.

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    1. Marcos Benassi

      Ôôô, Paulo, não é "daqui a pouco", uma minoria já é imortal: tem aí algumas dúzias de malucos repletos de grana que se congelaram ainda em vida, esperando pela redenção futura que a ciência possa trazer aos seus corpos pré-putrefatos. Uns poucos, uma vanguarda imortal!

  24. Hélio Barbosa de MT

    Vôtche! Não sabia que os Bevilacqua eram tão sem higiene assim...

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  25. Vito Algirdas Sukys

    Os códigos civis brasileiro e britânico foram escritos por homens e que ,na prática, procuravam fazer da mulher uma es crava. No romance Pride and Prejudice de Jane Austen, vemos que quando um pai morria, um primo herdava a propriedade. Harriet Taylor Mill foi uma das primeiras defensoras do direito ao voto para as mulheres. O fe minicídio, outro grave problema; alguns se julgam donos de outros seres humanos.

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  26. Paulo Roberto Dufrayer de Oliveira

    Se o homem desquitado podia sustentar três amantes é porque saía do casamento com muito dinheiro. Infelizmente isso não acontece mais.

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  27. Joaquim FARES

    Dá o que pensar. Os homens dessa época, que aprovaram essa lei, tinham mães e irmãs?

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  28. José Cardoso

    Em princípio, o código civil refletia os costumes sociais da época. Mas mesmo assim, meu palpite é que esses costumes já não eram tão machistas assim, pelo menos no Rio de Janeiro. Pelo menos não lembro de nenhuma das mulheres da geração da minha avó que tivesse sido expulsa de casa ou coisa do tipo.

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  29. Acacio J K Caldeira

    Ótimo artigo, Ruy.

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